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Demonstração de cumprimento mais complexa e estratégia (IS 21-001)

publicado 29/08/2022 11h59, última modificação 16/01/2024 11h04

Em sua seção 5.4.4.3, a IS 21-001 traz que “No caso de demonstração de cumprimento mais complexa, é importante descrever a estratégia de como os meios de cumprimento serão utilizados em sua produção”.

Com o intuito de ilustrar o que se entende por demonstração de cumprimento complexa e estratégia, alguns exemplos são fornecidos a seguir.

Antes, porém, cabe uma breve introdução aos Moc codes. 

1. Moc codes

Muitos fabricantes costumam, para fins de padronização, simplificação e melhoria da comunicação, adotar códigos para os meios de cumprimento utilizados nos processos de certificação. Tais códigos são também conhecidos como MoC codes, onde MoC significa Means of Compliance, que poderia ser traduzido como Meios de Cumprimento. A Tabela 1, abaixo, traz os códigos tipicamente utilizados pela indústria.

Tabela 1 - Meios de Cumprimento Típicos

Tipo de

Demonstração

Meio de Cumprimento

(Means of Compliance)

Avaliação de

engenharia

MoC 0

Declaração

MoC 1

Revisão de Projeto

MoC 2

Cálculo/Análise

MoC 3

Safety Assessment

Ensaio

MoC 4

Ensaio em laboratório

MoC 5

Ensaio em solo

MoC 6

Ensaio em voo

MoC 8

Simulação

Inspeção

MoC 7

Inspeção

Qualificação de

equipamento

MoC 9

Qualificação de equipamento

Nota: não há nenhuma obrigação em adotar esses códigos. Eles foram mencionados aqui devido ao fato de serem amplamente utilizados na indústria, o que os torna de potencial interesse para os requerentes.

 

2. Demonstração simples versus demonstração complexa 

O conjunto de requisitos de certificação pode conter requisitos cuja demonstração é mais simples e outros cuja demonstração é mais complexa. Nos estágios iniciais do processo, é importante que o requerente consiga explicar de forma resumida como pretende demonstrar cumprimento com cada um dos requisitos aplicáveis.

Normalmente, requisitos cuja demonstração é simples são mais intuitivos e essa explicação pode ser tão simples quanto mencionar os MoC codes pretendidos. Um exemplo de requisito cuja demonstração de cumprimento pode ser considerada simples é o RBAC 25.815, que estipula a largura mínima do corredor.

Para demonstrar cumprimento com esse requisito, são usados normalmente os MoCs 1 (descrição do projeto) e 7 (inspeção), de forma que a estratégia de demonstração poderia ser algo como:

Requisito 25.815: o cumprimento será demonstrado por meio de desenhos esquemáticos do corredor da aeronave (MoC 1) e uma inspeção física (MoC 7) da cabine.

Por outro lado, outros requisitos demandam uma demonstração de cumprimento que pode não ser tão simples quanto a do RBAC 25.815.

Um exemplo é o RBAC 25.841(a)(2)(i), segundo o qual a altitude de cabine não pode ficar acima de 25 mil pés por mais de dois minutos após uma descompressão causada por qualquer combinação de falhas que não tenha sido demonstrada ser extremamente improvável. Devem ser consideradas, nessa demonstração de cumprimento, falhas de sistemas, estruturais e de motor.

A complexidade da demonstração de cumprimento com esse requisito pode ser ilustrada listando alguns pontos a serem observados, tais como:

1) Será preciso levantar todas as combinações de falhas não extremamente improváveis (MoC 3 – safety assessment) que possam levar a uma descompressão em que a altitude de cabine ultrapasse 25 mil pés. Exemplos:

  1. Perda de todas as fontes de ar pressurizado.
  2. Falha de um motor combinada com a falha do bleed oposto (para um avião bimotor)
  3. Soltura de uma antena – o que aumenta a área de vazamento do ar interno à cabine – combinada com a perda de uma fonte de ar pressurizado. Neste exemplo hipotético, pressupõe-se que apenas uma fonte não seria capaz de manter a pressurização da cabine.

2) Será preciso obter o perfil de descida (altitude ao longo do tempo) da aeronave, o que, normalmente, é feito por meio de ensaio em voo (MoC 6).

3) Será preciso gerar informações comprovando que, dado o perfil de descida da aeronave, a altitude de cabine não fica acima de 25 mil pés por mais de dois minutos para qualquer combinação de falhas acima. Essa é, normalmente, uma atividade de análise (MoC 2), onde se emprega um modelo dinâmico da altitude de cabine. A utilização desse modelo, no lugar de executar inúmeros voos, tem sido bastante utilizada pela indústria por permitir grande redução de custos. Porém, por se tratar de um modelo, é preciso que se garanta sua representatividade, o que pode demandar a execução de ensaios para sua validação, o que também deve ser discutido com a ANAC.

Para demonstrações de maior complexidade como essa, a prática mostrou que é melhor o requerente apresentar à ANAC sua estratégia de demonstração o quanto antes. Uma das razões disso, é que eventuais pontos de preocupação e atenção acabam sendo identificados e tratados antes mesmo de as atividades de demonstração de cumprimento serem iniciadas. Além do ganho óbvio de tempo, há também grande economia de recursos em virtude da minimização do risco de retrabalho, o que é, inclusive, mencionado na IS 21-001, seção 5.4.9.2. 

Nota: quase sempre há material orientativo relacionado a demonstrações de cumprimento mais complexas. Boas fontes são as Advisory Circulars (ACs) da FAA e as AMCs da EASA. No caso específico do requisito 25.841(a)(2)(i), a AC aplicável é a AC 25-20.

 

3. Estratégia de demonstração

Continuando com o exemplo do RBAC 25.841(a)(2)(i), não faria sentido, levando em conta tudo o que o requerente deverá fazer para demonstrar cumprimento, a estratégia ser algo como “Para demonstrar cumprimento com o RBAC 25.841(a)(2)(i), serão utilizados os MoCs 2, 3 e 6”.

O principal motivo é que, além de não ser possível saber como os MoCs se relacionam (por exemplo, existe alguma ordem entre eles?), nenhuma menção é feita às atividades que estão sob cada um deles. Em outras palavras, não fica claro o que se pretende fazer de fato. Salienta-se, aqui, a diferença para o caso do RBAC 25.815, onde a simples menção aos MoC codes é suficiente.

Assim, no plano de certificação, a ANAC espera encontrar um nível de detalhes razoável sobre como o requerente pretende demonstrar o cumprimento com cada requisito da base, que são as estratégias de demonstração às quais a IS 21-001 se refere.

De forma a esclarecer a expectativa da ANAC, segue abaixo um exemplo hipotético do conteúdo que poderia constar no plano de certificação para o RBAC 25.841(a)(2)(i):

Requisito:
RBAC 25.841(a)(2)(i)

Material de orientação aplicável (AC, AMC, policy):
AC 25-20 da FAA (emitida em 10 de setembro de 1996).

Estratégia para demonstração de cumprimento: 

Será desenvolvido um modelo dinâmico da altitude de cabine, que modelará as vazões mássicas de entrada e saída de ar, em condições normais e de falha. Esse modelo será validado por meio de comparação com dados reais, obtidos em ensaios em voo.

Em paralelo à confecção e validação do modelo, serão identificadas todas as combinações de falhas não extremamente improváveis que podem levar a altitude de cabine a ultrapassar 25 mil pés. Será demonstrado que algumas combinações são equivalentes entre si e que algumas são claramente mais severas do que outras, de forma a reduzir o número total de combinações a serem avaliadas.

Quando a configuração aerodinâmica estiver congelada, será executado um ensaio em voo para obter o perfil de descida da aeronave.

O modelo da altitude de cabine, já validado, será então alimentado com o perfil de descida da aeronave e com as combinações de falhas selecionadas para avaliação. Os dados de saída do modelo, que refletem o comportamento da altitude de cabine ao longo do tempo, serão utilizados para demonstrar que em nenhum cenário a altitude de cabine fica acima de 25 mil pés por mais de dois minutos.

É importante salientar que a estratégia de cumprimento é a informação relevante para a agência, sendo o artefato (e.g. relatório) apenas o veículo no qual a demonstração será registrada. Se o requerente já souber quais artefatos pretende gerar, convém informar no plano também, pois facilita a atividade de investigação por parte da agência. Caso não estejam disponíveis, a ANAC planejará as suas atividades de investigação (i.e. definição do Nível de Envolvimento - NDE) com base nas informações que tiver no momento.

Por exemplo, no caso acima, a ANAC, com base nos critérios do NDE, poderá determinar seu envolvimento nas atividades de validação do modelo e de execução do ensaio em voo.

O exemplo acima ilustra apenas o conteúdo que a ANAC espera encontrar no plano de certificação. Quanto ao formato, pode ser como for mais conveniente para o requerente, sendo muito comum o uso de uma tabela, como a Tabela 2, mostrada abaixo: 

 

Tabela 2 – Formato típico usado pelos requerentes para informar a estratégia de cumprimento

 

RBAC

Estratégia de demonstração

MoC code

Relatório

25.815

Descrição do projeto e inspeção.

1

7

Relatorio815MoC1

Relatorio817MoC7

25.841(a)(2)(i)

Será desenvolvido um modelo dinâmico da altitude de cabine, que modelará as vazões mássicas de entrada e saída de ar, em condições normais e de falha. Esse modelo será validado por meio de comparação com dados reais, obtidos em ensaios em voo.

 

Em paralelo à confecção e validação do modelo, serão identificadas todas as combinações de falhas não extremamente improváveis que podem levar a altitude de cabine a ultrapassar 25 mil pés. Será demonstrado que algumas combinações são equivalentes entre si e que algumas são claramente mais severas do que outras, de forma a reduzir o número total de combinações a serem avaliadas.

 

Quando a configuração aerodinâmica estiver congelada, será executado um ensaio em voo para obter o perfil de descida da aeronave. 

 

O modelo da altitude de cabine, já validado, será alimentado com o perfil de descida da aeronave e com as combinações de falhas selecionadas para avaliação. Os dados de saída do modelo, que refletem o comportamento da altitude de cabine ao longo do tempo, serão utilizados para demonstrar que em nenhum cenário a altitude de cabine fica acima de 25 mil pés por mais de dois minutos.

2

3

6

Relatorio841MoC2

Relatorio841MoC3

TP841, TR841

 

Finalmente, vale relembrar que é o requerente quem mais se beneficia dessa discussão antecipada das estratégias de demonstração de cumprimento, pois diminui consideravelmente a chance de retrabalho.